
As sanções ocidentais estão a resultar? “A Rússia ficará tão isolada quanto a União Soviética, e a União Soviética não sobreviveu”
O FMI acredita que a economia russa vai recuperar em 0,3% neste ano, mas os economistas revelam perspetivas mais abrangentes sobre como as sanções estão a corroer o sistema financeiro e o estilo de vida dos russos. Afinal, que impacto teve a guerra nas contas russas? Que efeitos tiveram as sanções orquestradas pelo Ocidente? A resposta pode estar na preparação pré-guerra que Moscovo não descurou
A Rússia estava, até certo ponto, preparada para sanções. Após a anexação ilegal da península da Crimeia, em 2014, a Federação Russa reduziu a dependência do financiamento estrangeiro e reuniu grandes reservas cambiais e fundos de petróleo. As mais recentes previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam até que a economia russa vai crescer 0,3%, desmentindo as projeções anteriores, que apontavam para uma contração de 2,3%. Munida de várias estratégias para contornar obstáculos ao comércio externo, a Rússia conseguiu minorar os efeitos das sanções ocidentais ao longo do ano de 2022, mas os economistas antecipam um impacto bastante mais amplo nos próximos meses, para quando era esperada – antes da guerra – uma recuperação superior (na ordem dos 3%).
Quais foram os efeitos das sanções ocidentais até ao momento?
“É difícil isolar o efeito das sanções, porque a Rússia lançou uma guerra e a guerra, por si só, já tem um grande impacto. É difícil distinguir os efeitos das sanções dos efeitos da guerra.” É Konstantin Sonin que o explica. De acordo com o matemático e economista russo, que leciona na Escola Harris de Políticas Públicas da Universidade de Chicago, as consequências da guerra “tornam-se inegáveis quando há tantas pessoas a fugir da Rússia”. Elvira Nabiullina, presidente do Banco Central da Rússia, dizia em dezembro que o PIB russo iria contrair 3% em 2022, em vez dos previstos 3% de crescimento. Segundo as últimas estimativas do FMI, a economia russa caiu 2,2% no ano passado. O que importa, segundo Konstantin Sonin, é que, por trás das variações de números do PIB, está “um colapso muito mais dramático da qualidade de vida”.
“A Rússia começou esta guerra num momento de estabilidade.”
As sanções ocidentais isolaram, em grande medida, a Rússia dos mercados financeiros internacionais, mas, até 5 de dezembro, as sanções centravam-se nas importações russas, e não nas exportações russas. “Isso resultou num ganho inesperado de dinheiro estrangeiro na economia russa, isto é, numa fonte de um superávite comercial recorde de dois dígitos, que permitiu financiar tanto a economia quanto a guerra sem interrupções”, concretiza Oleg Itskhoki, economista russo-norte-americano especializado em macroeconomia e economia internacional e professor na Universidade da Califórnia. O analista que, em 2022, foi premiado com a Medalha John Bates Clark pelas suas “contribuições fundamentais para as finanças internacionais e o comércio internacional”, refere que, em causa, está um superavit comercial de mais de 300 mil milhões de dólares (278 mil milhões de euros), que permitiu financiar a totalidade dos gastos do Estado “com défices orçamentais insignificantes durante a maior parte do ano, mesmo com a redução dos impostos arrecadados internamente”. O sistema financeiro evitou o colapso, porque “estava cheio de dinheiro estrangeiro”. De acordo com Oleg Itskhoki, nenhum grande milagre político ocorreu: tudo se deveu ao lucro inesperado do comércio russo. As sanções sobre as importações reduziram também os gastos e permitiram evitar quaisquer medidas severas, ou seja, impediram uma abordagem de austeridade na economia.
Mas as transações financeiras internacionais complicaram-se. Grande parte das reservas de moeda estrangeira da Rússia está congelada e o Banco Central da Rússia não pode usá-las. Heli Simola, economista do Bank of Finland Institute for Emerging Economies, que se especializou nas economias russa e chinesa, destaca também que as sanções já cortaram alguns fluxos comerciais da Rússia. “As importações russas de bens – em particular, os tecnológicos – diminuíram notavelmente. Consequentemente, a produção diminuiu substancialmente nessas indústrias que dependem de insumos e máquinas importados.” Em novembro de 2022, a produção de escavadoras e de carros caiu 80%, em comparação com novembro de 2021. Já a produção de máquinas de lavar sofreu um decréscimo de 60%. As indústrias florestal e siderúrgica sofreram também com a perda de mercados de exportação devido às sanções.
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