
Empresas usam algoritmos para selecionar trabalhadores, mas já há forma de os contornar — descubra como
A tecnologia há muito que o permite, mas o assunto voltou ao de cima com as mudanças na lei. Há um algoritmo que filtra CV’s e há formas de o contornar. E agora este algoritmo tem de ser mais transparente
Não, ainda não estamos à mercê das máquinas. Mas ter ou não um novo emprego pode estar. Há alguns anos que as empresas (recrutadores, consultoras, etc) têm acesso a um algoritmo (há vários no mercado) que filtra os currículos. Em todo o mundo já milhões de pessoas foram excluídas de possíveis empregos apenas por uma ‘máquina’.
Segundo o Expresso noticiou, já em 2019 havia mais de 27 milhões de pessoas nos Estados Unidos (e o número era semelhante no Reino Unido e Alemanha) que, devido ao recurso à inteligência artificial (IA) nas fases iniciais de seleção, eram excluídos dos processos de recrutamento.
E não podemos esquecer o emblemático caso da Amazon, que remonta a 2018. A empresa estava desde 2014 a testar um algoritmo e estranhou não ter mulheres entre os candidatos. O problema é que, sim, havia mulheres a candidatarem-se, mas eram excluídas pelo algoritmo.
Segundo explicou ao Expresso Gonçalo Vilhena, diretor de tecnologias de informação (CIO) da Randstad, o algoritmo “faz este match que é encontrar determinadas características no candidato que estamos à procura”.
E há dois tipos. O mais clássico pega nos currículos que são introduzidos na base de dados e consoante as características que a empresa define, “o algoritmo permite escolher um candidato”, por exemplo “que fale inglês e vai filtrar todos os que falam inglês”, esclareceu o responsável. Depois, “começam a aparecer já pesquisas mais intuitivas e com outros tipos de tecnologia, parecidas a um motor de pesquisa” ou a uma pesquisa numa loja online. Gonçalo Vilhena deu mesmo o exemplo do site de uma loja: “pesquiso um produto e depois começa-me a aparecer os filtros [características que o empregador pode selecionar] no lado esquerdo”.
Então, como podemos ultrapassar esta ‘máquina’?
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De forma geral, o CIO da Randstad considera que “devemos fazer um CV [curriculum vitae] que seja muito fácil de estes softwares processarem, para não ter de haver trabalho manual do consultor”.
“A maior parte destes softwares funciona com palavras chave”, isto é, palavras para que o consultor ou empregador consiga identificar rapidamente. Por isso é fundamental “garantir que o nosso CV tem as palavras-chave bem identificadas naquilo que nós somos fortes e naquilo em que queremos mesmo trabalhar”.
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É também importante “ter muita atenção ao formato”, pois deve ser “compatível” com o software utilizado.
Gonçalo Vilhena explicou que “há vários standards, o Europass é um exemplo deles”. Contudo, já não é recomendado este modelo, apesar de todos os softwares suportarem este formato. Mesmo que não se use este modelo, devemos ter em conta uma estrutura semelhante, ter em conta as categorias apresentadas e também a sua organização.
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Mas se as novas tecnologias podem ser um entrave, também podem ser uma ajuda. “Agora está na moda o ChatGPT”, sublinhou o responsável, dizendo que pode ser uma ajuda na criação do CV.
“O ChatGPT é um modelo que gera texto aleatório, mas sabe qual o melhor texto para captar a atenção humana. E é possível enviar a informação do nosso CV e perguntar, ‘olha como faço um anuncio?’ ou ‘dá-me a melhor maneira de estruturar estes dados’. Ele [ChatGPT] sabe pois tem uma grande base de dados de anúncios, CV’s e publicações e sabe como é que aquilo está normalizado e sabe como se deve posicionar ou como os textos devem estar posicionados [para conseguir o emprego, ou pelo menos a entrevista]”, explicou.
Esta ferramenta, segundo Gonçalo Vilhena, dá, inclusive, as palavras chave para a experiência que o candidato tem. Adicionalmente, ao olharmos para uma vaga num site como o LinkedIn, por exemplo, também podemos usar esta ferramenta ao perguntar “face a este anúncio como é que eu deveria posicionar-me, como devia ser o meu CV” e a ferramenta ‘responde’.
O erro da ‘máquina’
Como relembrou Gonçalo Vilhena na conversa com o Expresso, há uma parte intangível para as máquinas, a parte humana. Para o responsável, um dos grandes problemas, é o facto dos dados não terem informação “sobre o potencial das pessoas, não tem as informações das entrevistas, não tem a informação se a pessoa quer fazer algo diferente [do que já fez] e isso nós humanos é que fazemos”. “Essa informação não existe em sistema e não é fácil de incorporar no algoritmo”, alertou.
O segundo grande problema é a impossibilidade de garantir que não há enviesamento, não é possível garantir que não há descriminação massiva – como aconteceu com a Amazon. “Na Randstad tivemos uma parceria com o Google e universidades onde tentámos fazer um algoritmo que não fosse discriminatório e não conseguimos, tivemos de cancelar o projeto”, contou.
E agora, pelo menos, estes algoritmos têm a obrigatoriedade de serem mais transparentes. Os deputados aprovaram esta semana, na especialidade, uma proposta do Bloco de Esquerda que prevê que as empresas terão de passar a prestar informação às comissões de trabalhadores sobre todas as decisões de âmbito laboral que sejam baseadas em algoritmos, nomeadamente as que garantem o acesso e a manutenção do emprego.
A proposta do Bloco determina também que as comissões de trabalhadores passam a ter direito a informação sobre “os parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional”.
Como tem sido a sua experiência no mercado de trabalho? Já tinha conhecimento deste tipo de algoritmo? Partilhe a sua opinião, críticas ou sugestões comigo, por e-mail.