“Não podem pôr toda a gente atrás das grades, vão acabar por ficar sem celas”: estudante russa detida por publicação nas redes sociais

“Não podem pôr toda a gente atrás das grades, vão acabar por ficar sem celas”: estudante russa detida por publicação nas redes sociais

  14 Feb 2023

Conteúdos contra a invasão da Ucrânia ditaram a colocação de Olesya Krivtsova, de 20 anos, numa lista de terroristas na Rússia. Agora, a estudante encontra-se em prisão domiciliária, sem internet ou telemóvel, depois de ter sido denunciada pelos colegas

Olesya Krivtsova, de 20 anos, tem uma tatuagem sugestiva na perna direita: trata-se do rosto do Presidente russo, Vladimir Putin, inserido num corpo de aranha, em que se lê a conhecida citação orwelliana: “O Grande Irmão observa-te [”Big Brother is watching you”]. Publicações antiguerra nas redes sociais custaram à estudante da Universidade Federal do Norte, em Arkhangelsk, situada na margem da Baía do Dvina, no Mar Branco, a inclusão na lista oficial de terroristas e extremistas da Federação Russa, a par com membros do Estado Islâmico e de autores de ataques a escolas.

Com pulseira eletrónica e sujeita a prisão domiciliária, Olesya Krivtsova tem agora faltado às aulas, não pode falar ao telefone, nem aceder à internet. Uma das publicações mais críticas, e que a colocou numa situação delicada junto das autoridades russas, foi um texto relativo à “felicidade dos ucranianos” quando da explosão da ponte, no estreito de Kerch, que liga a Rússia à península da Crimeia. Segundo conta a BBC, Olesya Krivtsova estava ao telefone com a mãe quando ouviu a porta da frente a abrir-se e os agentes da polícia a invadirem-lhe a casa. Tiraram-lhe o telemóvel e gritaram que se deitasse no chão. Sobre a estudante universitária recaem acusações como a de justificar o terrorismo e desacreditar as Forças Armadas russas, crimes pelos quais pode ter de enfrentar dez anos de prisão.

Mas o “Grande Irmão” que a espionava era, afinal, um grupo de estudantes, que, numa plataforma de conversas online, debatia sobre denunciar às autoridades os conteúdos de Olesya sobre a denominada “operação militar especial”. De acordo com a BBC, nesse mesmo fórum, Olesya Krivtsova é acusada de escrever “provocações de caráter derrotista e extremista”, que não se coadunam com “tempos de guerra” e “devem ser cortados pela raiz”. O plano foi então traçado: “Primeiro, vamos tentar desacreditá-la. Se ela não compreender, vamos deixar que os serviços de segurança tratem disso.” Entre uma das intervenções de alunos, pode ler-se ainda: “A denúncia é o dever de um patriota.” Uma instrução seguida à letra, a partir das declarações de Putin, que apela a que se filtre “os verdadeiros patriotas” entre “a escória e os traidores”.

O caso de Olesya Krivtsova não é único. Desde que a guerra em larga escala foi iniciada na Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, já vários estudantes denunciaram professores e funcionários delataram os seus colegas, recuperando uma prática da era soviética. As críticas públicas à invasão são proibidas, através da aplicação de novas leis contra pessoas que veiculam “informações falsas” sobre os militares e “desacreditam” o Exército da Rússia.

Em Arkhangelsk, a cidade onde Olesya Krivtsova reside e estuda, o apoio à guerra é, segundo a BBC, significativo. É possível encontrar um grande mural de um soldado russo morto na Ucrânia, acompanhado das palavras: “Ser um combatente significa viver para sempre.” Olesya Krivtsova resolve dar à frase outro sentido. Numa audiência perante o tribunal, em que os seus advogados de defesa não conseguiram persuadir o juiz a levantar as restrições aos seus movimentos, a jovem estudante comparece com uma camisola com a imagem de uma carrinha de polícia e a descrição “autocarro escolar”. O juiz decide mantê-la em prisão domiciliar, mas a estudante universitária não se demove. Diz, em vez disso, à BBC: “Não podem pôr toda a gente atrás das grades. A dada altura, ficarão sem celas.”

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